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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Vampiro de Johnny Depp é o melhor de "Sombras da Noite"



Baseado em "Dark Shadows", novela obscura da TV norte-americana do final da década de 1960 (a primeira do gênero a abordar o sobrenatural), "Sombras da Noite" reúne o diretor Tim Burton eJohnny Depp, dois saudosistas do programa, pela oitava vez. Para os brasileiros, a referência é nula, embora a ideia seja promissora: trancado em um caixão por 200 anos, o vampiro Barnabas Collins (Depp) volta à superfície para encontrar o mundo transformado no início dos anos 1970.
A família Collins em 'Sombras da Noite'. Foto: Divulgação
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Mais do que a ameaça de uma criatura sedenta por sangue, o acerto foi colocar um nobre do século 18 numa era tecnológica, em plena efervescência flower power – Burton assumiu publicamente que queria, dessa forma, reproduzir o deslocamento que sentiu durante sua própria adolescência. O fruto disso, obviamente, é o humor, a porção de "Sombras da Noite" que mais funciona.
Só que o filme vai além, em sua gana de misturar drama, comédia e horror, mais ou menos como a novela original. Não surpreende, portanto, que o roteiro tenha sido entregue nas mãos de Seth Grahame-Smith, autor de "Orgulho e Preconceito e Zumbis" e "Abraham Lincoln - Caçador de Vampiros", livros que inauguraram o filão do mash-up literário. Essa múltipla personalidade, porém, é justamente o ponto fraco do longa, junto com um desfecho decepcionante.

Divulgação
Tim Burton orienta Michelle Pfeiffer no set

Até lá, "Sombras de Noite" se mostra um entretenimento surpreendente, o filme mais desenvolto de Burton desde o longíquo "A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça" (1999). A história começa em um prólogo com aura de conto de fadas, no qual os Collins deixam a Inglaterra e estabelecem um rico negócio de pesca no estado do Maine, tão próspero que a família acaba por dar nome à cidade (Collinsport). A tragédia, no entanto, não tarda a chegar: depois de rejeitar o amor da empregada Angelique (Eva Green, belíssima), na realidade uma bruxa, o boa-vida Barnabas vê sua noiva se suicidar e é transformado num vampiro, um misto de Nosferatu e Edward Mãos de Tesoura, com dedos alongados e ameaçadores. Sedenta por vingança, a feiticeira ainda lidera uma multidão enfurecida que aprisona o monstro debaixo da terra.
Corte para 1972. Preservada através das décadas, Angelique se tornou dona do monopólio local de peixes, levando quase à falência os Collins remanescentes, liderados pela resoluta Elizabeth (Michelle Pfeiffer). Completam a família a adolescente Carolyn (Chloë Grace Moretz), filha rebelde de Elizabeth; Roger Collins (Jonny Lee Miller), irmão playboy da matriarca, e seu filho, David (Gulliver McGrath), que afirma ter conversas com a mãe, morta. Ainda habitam Collinswood, a tétrica mansão do clã, a dra. Julia Hoffman (Helena Bonham Carter), uma psiquiatra alcoólatra, o caseiro Willie (Jackie Earle Haley) e a delicada Victoria (Bella Heathcote), governanta novata de passado suspeito e, curiosamente, idêntica à finada noiva de Barnabas. Como se pode notar, o elenco numeroso é digno de novela.
Desperto numa escavação, o vampiro resolve voltar a Collinswood e ajudar a família a se reerguer. A graça fica por conta da excentricidade de Barnabas, que desconhece energia elétrica, asfalto, carros e McDonald's (num merchandising hilário), e sua mentalidade, digamos, antiquada. Enquanto Angelique, ainda apaixonada, festeja a volta de seu amado de fala empolada, Barnabas sofre para conquistar Victoria ("na minha época, o amor era demonstrado com muito dinheiro, ovelhas ou os dois"). No som, uma trilha sonora escolhida a dedo, com o soft rock dos Carpenters, Elton John e o gingado de Curtis Mayfield – o que melhor para contrastar com a morbidez de uma história de vampiro?


Cheio de personalidade, Johnny Depp é a alma do filme. Numa interpretação poderosa, ele dá vida a Barnabas nos mínimos detalhes, nas nuances de voz, nos gestos, no olhar. Michelle Pfeiffer e Eva Green vêm no mesmo embalo, aproveitando tudo o que têm ao seu dispor.
Em vão: da metade para o final, a história começa a desmoronar. O jeito descompromissado com o qual o filme encara sua parcela de horror – Barnabas mata para se alimentar sem o menor problema, conflitante com sua persona construída paralelamente – atinge níveis insunstentáveis. O temor de que a multidão de personagens não seria desenvolvida a contento se confirma e o nonsense finalmente dá as caras, como a alardeada participação especial do roqueiro Alice Cooper ("a mulher mais feia do mundo", segundo o vampiro). As reviravoltas do epílogo, então, com ares de "A Morte lhe Cai Bem" e "A Casa Amaldiçoada", são constrangedoras, ainda mais com a tentativa de deixar pontas soltas e portas abertas para uma continuação.
Tim Burton mantém seu estilo inconfundível de cinema, presente nos enquadramentos, movimentos de câmera, na música de Danny Elfman e na direção de arte extraordinária. Só que faz muito tempo, mais de uma década, que o diretor vem se preocupando mais com o visual que fez sua fama – e tem garantido contratos e bilheterias polpudas – do que com uma boa história. "Sombras da Noite" parecia que ia acabar com a maldição. Quem sabe com a animação "Frankenweenie", território em que se sente à vontade, ele recoloque a carreira nos trilhos e recompense os fãs de longa data.

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